domingo, 1 de maio de 2011

Sobre os domingos que se seguiram

Então, há 17 anos as manhãs de domingo ficaram mais vazias. Acabou tema da vitória, acabou fumaça de cigarro pela sala. Acabou Ayrton Senna do Brasil.

Eu me lembro daquela fatídica manhã chuvosa de domingo, meu pai chorando, meus olhos incrédulos. Aquilo não era para ter acontecido e a partir dalí, todos os domingos que se seguiram foram diferentes, e eu nunca fui o mesmo, nada nunca mais foi igual. E eu guardo a morte do Senna como um marco na minha vida, maior que da história do automobilismo mundial. Pra mim, existe vida antes Senna (a.S.) e depois do Senna (d.S).

Minhas memórias a.S. são infantis, pontuadas pela convivência familiar. Meu pai, viciado em esportes, apaixonado pelo Ayrton Senna, me acordava de manhã, de madrugada, sempre falando baixinho no meu ouvido: - 'Acorda filho, o Senna vai ganhar mais uma'. E eu ia de pijama, sentava no sofá ao lado dele, tomava meu nescau,muitas vezes eu acordava antes de ele me chamar, mas fingia dormir pra não estragar o momento, ele fumava um cigarro, tomava café.

Quando acabava a corrida, era quando eu tinha meu pai só pra mim. Talvez eu amasse tanto as corridas de F1 por causa da companhia do meu pai nos domingos. Médico, diretor de um hospital, tinhamos muito pouco juntos. Era alí naquelas manhãs preciosas que guardo minhas memórias. Nas manhãs sem fórmula 1, ele não me acordava e eu dormia e lamentava o dia todo, pelas horas desperdiçadas, por menos companhia. Nós conversavamos e ouviamos música o domingo todo, era o nosso momento. Nosso dia.

Alguns domingos vazios após aquele 01/05/94 eu arrumava minhas malas e saía de casa, rumava para uma vida totalmente diferente. Começava a minha vida d.S. Viver sozinho, aprender a crescer e eu não sabia que seria tão difícil. Durante alguns anos eu acordei sobressaltado nas manhãs de domingo, pensando ter ouvido a voz do meu pai, imaginando ouvir a voz grave de Maysa, sentindo o cheiro acre de seu cigarro. Nunca mais tive manhãs de domingo com meu pai. Minha rotina me impedia de voltar ao Brasil, sua rotina o impedia de me visitar. Nos viamos esporadicamente e nas férias, tudo era tão tumultuado, rotinas tão diferentes e os domingos ficaram para trás, junto com as conversas, junto com Maysa, Senna e cigarros pela manhã.

Todo domingo de F1 eu morro um pouco. Todos os domingos que se seguem desde aquele primeiro de maio destoam borrados, insignificantes e ridiculamente pequenos diante da grandiosidade das minhas memórias. E a cada vez que ouço o tema da vitória fico engasgado, arrepiado e incomodado. Ele me traz ao coração um tempo que não volta, põe nos meus olhos a visão do meu pai que eu nunca mais tive.

6 comentários:

Cristiane disse...

Lembro de ter sido acordada pela minha tia, dizendo: acho que o Senna morreu... e eu ter ficado furiosa porque ela era DramaQueen mor... Desta vez, não era drama..

Renata disse...

Uma das coisas que eu mais gosto nesse mundo, é ouvir suas memórias. Ler tuas narrativas, é participar de sua história, é delicioso.

Teu texto é triste, pela dor da saudade, pela infância que não volta. É lindo pelas memórias, pelo relato de uma vida.


Beijo

Trolladora disse...

Lembro pouco da morte do Senna, mas achei uma delicia seu texto!!!

Felipe Siqueira disse...

Impossível de esquecer desses dois caras. Senna e Betão.

Foda.

Camila Di Assis disse...

Você sabe descrever os fatos como ninguém!
Lindo texto!

Rosana Drodowski disse...

Amo teu jeito de contar as coisas. Essa sua saudade nos machuca. Essa sua saudade é minha.