segunda-feira, 16 de maio de 2011

Borboletas no ventre

Foi ao casamento por ir. Não esperava. Não imaginava.
Trânsito de cidade grande faz atraso de noiva parecer delicadeza do relógio. Na porta, socializava, porque é o que resta à sociedade e aos amigos de bem, enquanto esperavam.
Então, viu o moço. Disseram que eles já se conheciam. Não lembrava. Sentia. Sentia-o em seu estômago por toda a vida. Borboletas farfalharam, impiedosamente, em seu ventre. Sorriram e se olharam. E mais uma vez, sorriram e se olharam. Pensaram que se cansariam. Não cansaram.
Do altar, ele, padrinho, observava-a. E ela, enxergava-o em sua totalidade, sem pudores. Borboletas.
Não ouviram uma frase sequer do sermão. Não se emocionaram com o enlace. Não foram tocados pelo brilho das alianças. Eles estavam em uma redoma particular magnética. Borboletas lhes enlaçavam.
Dançaram. Como se não houvesse nada além. Como se não houvesse ninguém. Nem o ritmo kitsch de Right Here Waiting os afetou. Talvez porque eles esperavam, ali, exatamente isto, sem sequer saber.
Acordou, com o cabelo ainda penteado do casamento, em ambiente desconhecido. Meias 7/8 ainda lhe vestiam. Somente elas. Olhou ao lado e viu-o. Despido. Ofegante. Dormente. Lindo. Lembrou-se da noite terminada em hotel pra saciar a sede. Lembrou-se dele tocando Strangers in the Night, ao piano do lobby. Comoveu-se.
Desesperada, com tamanho sentimento, quis fugir. Acordou-o. Geminiano não aceita fugas, exceto as próprias. Ele a enlaçou mais uma vez e as borboletas, suas eternas inquilinas, obrigaram a novo encontro. E outro. E mais outro.
O sol reclamava seus corpos de volta. Relutantes, saíram. Magoados que a luz os houvesse impelido a procurar a janela da redoma.
Fez-se dia. Fez-se realidade. Fez-se separação. Ele, indignado, repetiu o que a pele suada lhe obrigara a dizer. Somos amor. Somos mais que uma noite. Ela, assustada, gritou o que o coração negava. Somos noite.
O avião, pássaro malvado metálico, levou-o embora, na tarde que se seguia. Ela, covarde, temerosa, permaneceu enlutada no quarto escuro. Ela e as borboletas. Ele voou com a lembrança de todas elas ao seu redor.
O tempo passou. As borboletas enclausuraram-se em lagartas, contrariando a natureza da vida. Vez ou outra, o telefone toca. Ninguém fala. Ouve-se a dor esganiçada do desperdício e as teclas do piano, soando Strangers in the Night. Para sempre. Para nunca mais.
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19 comentários:

Luciene disse...

Eu vejo um filme cada vez que leio seus escritos.
Coisa mais linda de ler...
Parabéns!

Luciene

J. P. disse...

O Amor é Eterno enquanto dura, ou "Amanhã é sempre longe demais" http://goo.gl/SbqmY Como diria J. Keating: "Carpe diem".

Ale disse...

Tens talento para a escrita, fazendo uma referencia à época que ainda se escrevia à pena poderia dizer que suas mãos foram feitas para segura-la.
Tem uma pequena parcela da humanidade que tem o dom de tocar, fazer-se sentir, ouvir, calar, emocioar através das palavras e vc é uma delas.
voltarei mais vezes, to seguindo.

LandNick disse...

Chovendo no molhado! Mais um belíssimo texto, Cris! Poesia em forma de prosa (acho que até já escrevi isso com relação aos seus textos)! Mas não custa repetir! Parabéns! Sensível, tocante!

Carina disse...

Muitooo lindo o texto!! Volto sempre aqui ;)

Romaine Carelli disse...

Sensacional.
Adoro escritos com alma.

BeteBarros disse...

Cris, lindo. Realidade de muitos...

BeteBarros disse...

Lindo, encontros e separações que muitas vezes ocorrem em nossas vidas. Adorei!

Vanda S. Ferreira (tatavanda) disse...

Que texto lindo, vc escreve divonamente, é daquelas raras pessoas que conseguem nos transportar no tempo e espaço para dentro de uma história, como se fossemos os personagens e vivenciar cada segundo.Adorei.

Marcuslash disse...

Oi Cristiane,
parabéns pelas lindas palavras escritas nesse post do seu blog que gostei do titulo - ménage a trois bem sugestivo e borboletas no estômago muito bom também.

Beijo ;D

Láz disse...

Love is a many splendored thing. Cada um sabe o quanto se permite e por que teme o que teme, não censuro mais as borboletas, cada casulo tem seu tempo, e paradoxalmente é da impossibilidade do não vivido que se fez aqui poesia - no real, muitas borboletas de festas transformam-se em brigas mesquinhas entre gôndolas de supermercados. Viver o amor é honrar o amor, não viver o amor é honrar o amor. Belo texto. Diga à autora da personagem - pois toda personagem tem sua autora e vice-versa, e nunca há tanta diferença entre elas assim - que quando o tempo para não há tempo, deixando de ser relevante por quanto tempo o não-tempo não foi tempo para que os dois fossem, não para sempre posto que não se aplica ao instante eterno, mas ainda assim infinito enquanto duro.

Roberta Paula disse...

Lindo demais, sei nem o que dizer

Geminiana Doce disse...

Cris querida! Me vi nessas linhas, senti a dor bater em meu peito!
Parabéns! O texto nos remete ao local do fato real ou inventado!
"O avião, pássaro malvado metálico, levou-o embora, na tarde que se seguia. Ela, covarde, temerosa, permaneceu enlutada no quarto escuro."
Beijos

RAFAEL MOIA FILHO disse...

Lindo texto, parabéns pela sua forma e conteúdo perfeitos. Obrigado por me possibilitar a leitura. Sucesso!

Marcos Aprile disse...

Não viveria isso pra ter que aceitar o nunca mais como final... eu vou sempre em busca do que quero...

Lindo texto !

@MaAprile

Rô Castro disse...

Oi,Cris
Um pena que um encontro casual, cheia de paixão,não teve prosseguimento,ah,minha alma romãntica !!Louca por finais felizes..Lindo,lindo fquei emocionada

beijos no coração ♥♥

Rosana

Unknown disse...

Primeira vez que leio suas palavras, mas tenha certeza serei um leitor assíduo...amei o texto..envolvente, cativante...impossível começar a lê-lo e parar antes do fim...Parabéns

Tom disse...

Olá, Cris! Adorei! Muito obrigado por enviar o link do post. Emocionou-me com suas palavras... Voltarei mais vezes! :') Bom sábado. Beijos do amigo Tom.

Toni disse...

"Geminiano não aceita fugas, exceto as próprias."
O geminiano aqui concorda em gênero, número e grau.
Sensibilidade à flor da pele, teu texto resume, exprime, imprime na gente o gosto do sentimento.
Beijos de Bardo pra ti.
Toni